Nos anúncios de imóveis à venda, é comum deparar-se com frases que
associam o tijolo a uma moeda forte, sugerindo que o investimento imobiliário é
sempre seguro e protege contra a inflação. O apelo parece especialmente
atraente em momentos como o atual: a inflação em patamares elevados levanta a
necessidade de se proteger, tradicionais alternativas de renda fixa vêm
apresentando muita volatilidade.
Mas
serão mesmo os imóveis uma moeda imune à corrosão inflacionária? E mais: esse
tipo de investimento pode ainda trazer ganhos, considerando-se que os preços já
subiram muito, a ponto de o mercado discutir a existência de uma bolha no
Brasil?
"É uma ilusão achar que o pior que pode acontecer ao investir em
imóveis é que o valor fique estável. Embora não vejamos grandes quedas
nominais, quando se desconta a inflação, vê-se que os imóveis podem ter perdas
em termos reais", responde João da Rocha Lima Junior, do núcleo de real
estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
Essas perdas reais podem ser bem mais frequentes do que imagina o senso
comum, mas costumam ser mascaradas por vários motivos. Aqui entra o fator
tempo, que confunde o investidor: como as transações no setor imobiliário
demoram a acontecer e as pessoas costumam manter os imóveis por longos
períodos, sabem apenas que venderam o bem por um preço superior ao da compra.
Mas nem chegam a descontar a inflação do período que mantiveram o imóvel para
saber se a valorização foi de fato real, não apenas nominal.
Além disso, os preços dos imóveis não são divulgados diariamente como as
cotações de ações - e a baixa visibilidade acaba por deixar o investidor sem
parâmetros para avaliar se fez um bom negócio. Outro ponto que faz com que os
investidores associem o imóvel à proteção contra a inflação é que os contratos
de aluguel são corrigidos por índices de preços, especialmente o IGP-M. Assim,
a renda derivada do imóvel acompanha a inflação (ainda que de forma imperfeita,
pois o proprietário tem de arcar com impostos e benfeitorias no imóvel, além
dos períodos de vacância).
Mas, se a renda oferece proteção contra a inflação, o mesmo não se pode
dizer em relação ao valor do imóvel em si: "O imóvel é um ativo de renda
variável, embora muitos o considerem defensivo", afirma Gilberto Poso,
superintendente-executivo de gestão de patrimônio do HSBC. Os preços dos
imóveis dependem de variáveis como a oferta de crédito, o nível de emprego e de
confiança do consumidor. Além disso, estão sujeitos à valorização ou
desvalorização das regiões em que foram construídos.
Outro equívoco frequente, dizem os especialistas, é que as pessoas
desconsideram que os imóveis também ficam obsoletos. Um apartamento amplo com
uma vaga na garagem é um exemplo de ativo ultrapassado. Também se esquecem de
que terão que gastar com manutenção e benfeitorias (custo a cargo do
proprietário) e os períodos de vacância. Embora raramente levados em conta
pelos investidores, esses custos podem ser significativos, diz Poso. Um imóvel
vago por dois meses no período de quatro anos já traz uma perda de 4% de
rentabilidade no período.
O rendimento com os aluguéis, aliás, caiu nos últimos anos. Os
investidores costumam fazer uma conta bem simples para obter o retorno esperado
pelo aluguel: dividem o valor do aluguel pelo do imóvel. Como os imóveis se
valorizaram, mas os aluguéis não subiram na mesma proporção, a rentabilidade
minguou. O retorno com aluguéis medido pelo índice FipeZap em São Paulo caiu de
0,71% ao mês em janeiro de 2008 para 0,46% ao mês em agosto de 2013. No Rio, a
redução foi de 0,54% para 0,38%.
No entanto, o boom imobiliário recente fez com que muitos investidores
deixassem de prestar atenção ao retorno com aluguel. O que atraía era a
expectativa de valorização dos imóveis. Só que a situação de pujança não é mais
a mesma. Os preços já subiram muito e a expectativa é que os avanços percam
velocidade. Para alguns, os imóveis estão sobrevalorizados. O que prevalece é uma percepção semelhante à dos gestores de recursos:
neste ano é necessário redobrar os cuidados e ser bem mais seletivo na hora de
escolher os ativos.
A diferença entre a alta
geral dos preços e a dos imóveis está se reduzindo. "As taxas eram
claramente insustentáveis e estão convergindo para patamares mais
normais", diz Eduardo Zylberstajn, coordenador técnico do índice.
O sobrepreço e os elevados estoques de imóveis vazios ocorrem
principalmente nos comerciais, segundo Lima Junior, da Poli-USP: "A venda de pequenas
salas comerciais foi feita de forma caótica. Nas grandes lajes corporativas,
houve algum grau de planejamento, mas mesmo nelas a vacância é alta em São
Paulo e Rio de Janeiro". Para ele, "se o investidor precisar de caixa
ou achar que os preços não voltam, vai colocar o imóvel à venda e aí sim os
preços caem", afirma.
Para William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças (GVcef)
da FGV-EAESP, a correção do mercado será feita pela inflação, que vai corroer o
valor real dos imóveis. Se alguém colocou um apartamento à venda por R$ 1
milhão e só conseguiu vendê-lo um ano depois por esse mesmo valor, tem a ilusão
de que fez um bom negócio. No entanto, em termos reais, houve uma queda porque
a inflação ao redor de 6% ao ano terá corroído o poder de compra desse R$ 1
milhão.
"O grande propulsor do preço dos imóveis é o financiamento",
diz Paulo Colaferro, sócio fundador da gestora de patrimônio Taler. Para ele, as condições de mercado já mudaram. Os juros voltaram a
subir, o que deve impactar a concessão de crédito; a economia esfriou e a
confiança do consumidor caiu.
(Valor Econômico - São Paulo/SP
- FINANÇAS - 10/09/2013 - Pág.D1)
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