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terça-feira, 30 de julho de 2013

Parte II: Indícios da Bolha Imobiliária (final)

Apresentaremos hoje a segunda parte (final) de duas excelentes análises técnicas sobre a bolha imobiliária, de autoria do blog Deseconomia Brasileira

O tema polêmico sobre a possível existência de uma bolha imobiliária no Brasil justifica a estratificação dos posts sobre o assunto. O termo “bolha” parece gerar um extremo desconforto na maioria das pessoas, algumas pessoas tem a visão de uma catástrofe apocalíptica. O fato é que o evento não é apocalíptico, e pouco importa o nome que se dê. O ponto aqui é analisar e verificar que existe hoje uma grande probabilidade de haver ,nos próximos anos, uma queda real considerável no valor dos ativos imobiliários.
   
Em 1996 Alan Greenspan tornou famoso o termo “Exuberância Irracional”, onde basicamente chamava atenção para os valores de Mercado das ações, em especial as ações do setor de tecnologia .com. O termo em Inglês “Irrational Exuberance” é definido como:

Unsustainable investor enthusiasm that drives asset prices up to levels that aren't supported by fundamentals. (Entusiasmo Insustentável de Investidores que elevam o preço de ativos a níveis não suportado por fundamentos)

Estaria o Brasil vivendo uma Exuberância Irracional? Fato é que vivemos anos de euforia causados pelo despejo de grande volume de capital no setor imobiliário por conta de:

(i)   onda de IPOs de empresas imobiliárias (2006 e 2007),
(ii)   estímulos governamentais monetários e fiscais (2008 a 2012) 
(iii)  expansão de crédito  - não a Mercado - através da atuação de bancos públicos

Pela definição de Exuberância Irracional este fenômeno só se aplica se o nível de preço dos ativos não são suportados por fundamentos.

Ao ler artigos e análises sobre o setor imobiliário já vi toda sorte de argumentos e fundamentos. É proporção de crédito sobre o PIB, é renda per capita, é consumo de cimento per capita, eventos esportivos que se avizinham, etc. Pois bem, neste emaranhado de números a criatividade humana pode fazer miséria, e conduzir basicamente a análise para qualquer direção.

Por exemplo, muito se fala que o crédito imobiliário no Brasil em proporção ao PIB é baixo se comparado com EUA, portanto se o crédito aumentar aos níveis americanos os imóveis teriam possibilidade de se valorizar muito mais. Será? Ao fazer tal comparação, alguém parou para observar qual proporção da população Americana pode aderir a crédito imobiliário e qual a mesma proporção no Brasil? Parece que não… Dados do Banco Central dão conta de que 55% da população brasileira acima de 15 anos não tem conta em Banco. Me parece impossível imaginar que possamos alcançar patamares de crédito imobiliário acima de 70% do PIB como nos EUA. Além disso, qualquer % do PIB de credito imobiliário no Brasil e nos EUA tem impactos muito diferentes quanto ao comprometimento de renda das famílias. Os altos juros Brasileiros somados ao fato de que a renda media no Brasil é muito inferior faz com que o comprometimento de renda da família brasileira seja muito mais alta, mesmo com um volume de crédito em relação ao PIB  muito menor.

Para escolher o fundamento a ser analisado por que não recorrer a Adam Smith, um dos primeiros economistas:

Labour was the first price, the original purchase - money that was paid for all things. It was not by gold or by silver, but by labour, that all wealth of the world was originally purchased(Trabalho foi o primeiro preço, a original moeda de troca que foi paga por todas as coisas. Não foi pelo ouro, ou pela prata, mas por trabalho, que toda riqueza do mundo foi originalmente comprada.)

Vamos analisar então o quanto o Mercado imobiliário no Brasil estaria descolado da renda gerada pelo trabalho dos brasileiros. Para tal, vamos fazer um estudo de caso do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro.

Primeiro vamos aos dados de preços de Imóveis. Fazendo uma pesquisa de oferta de imóveis no ZAP (www.zap.com.br/imoveis) na Cidade do Rio de Janeiro temos a seguinte distribuição de valores:

                                    Fonte: Zap Imóveis

A partir da pesquisa acima podemos inferir algumas informações interessantes.  Para facilitar as analises resumimos os dados na tabela abaixo:


Alguns números da pesquisa chamam atenção. Primeiramente praticamente 50% da oferta de imóveis no Rio de Janeiro são de imóveis acima de R$ 800 mil. Apenas 20% dos imóveis ofertados se situam em faixa inferior à R$ 400 mil. A mediana de imóveis ofertados se situa na faixa entre R$ 400 mil a R$ 600 mil. A partir dos dados da tabela podemos tambem inferir uma curva de oferta de imóveis (Preço x Qtd) que segue abaixo:


Uma vez que estabelecemos a relação de preços ofertados no Mercado imobiliário do Rio de Janeiro, precisamos agora reunir algumas informações acerca da renda e capacidade de pagamento do consumidor final do Imóvel: as famílias cariocas. Para fazer esta ligação entre oferta x demanda, acho importante fazer mais uma citação de Adam Smith:

Consumption is the sole end and purpose of all production; and the interest of the producer ought to be attended to, only so far as it may be necessary for promoting that of the consumer(Consumo é o objetivo final de todo sistema de produção,  e o interesse do produtor deve ser atendido, apenas na medida em que pode ser necessário para satisfazer ao consumidor)
                
A citação de Adam Smith parece óbvia. Quem é o empresário que abriria uma locadora de automóveis no Rio de Janeiro onde a frota fosse 50% composta por Ferraris? Ora, se vou abrir uma locadora de automóveis no Rio de Janeiro ou em Mônaco, é claro que vou dimensionar e estratificar a frota de carros de acordo com os consumidores. Pois bem, apesar de óbvia, esta citação não vem sendo aplicada ao Mercado imobiliário brasileiro, muito menos no Mercado Imobiliário Carioca.
   
Vamos aos fundamentos acerca da capacidade de pagamento por parte das famílias cariocas, os consumidores finais dos produtos imobiliários.
       
O município do Rio de Janeiro possui hoje cerca de 6,3 milhões de habitantes segundo o IBGE (www.ibge.gov.br).  Os dados consolidados acerca da Renda da população carioca foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Utilizamos os dados da própria PNAD que aponta que no Rio de Janeiro o número de pessoas por domicílio é de 3 pessoas e utilizamos o salário mínimo de R$ 719,48, vigente em 2013 (os dados de renda da PNAD são medidos em números de salários mínimos). Excluímos dos dados, os domicílios sem renda declarada. Na faixa acima de 5 salários mínimos por domicilio consideramos uma renda de 10 salários mínimos por cada uma das 3 pessoas do domicilio (30 salários mínimos).


O destaque desta tabela é que em 39% dos domicílios cariocas, cada uma das 3 pessoas do domicilio tem de sobreviver durante o mês com um salário mínimo de R$ 719,48.
       
Nem todos os domicílios cariocas tem alguém procurando por imóveis. Muitos já possuem imóvel próprio, outros preferem ficar no aluguel. No entanto, vamos partir do pressuposto inverso e vamos imaginar que para cada um dos 51.837 imóveis ofertados no ZAP, existe uma pessoa interessada em comprar. No universo de domicílios cariocas de 51.837, temos o mesmo número de pessoas acessando o ZAP neste exato momento, e procurando o seu imóvel para compra.
                
Podemos inferir agora a capacidade de compra de imóvel por domicílio. Vamos assumir como restrição, o comprometimento de 30% da Renda do domicilio com as prestações do financiamento imobiliário. A partir de então vamos assumir que todos os domicílios teriam 30% do valor do imóvel para dar de entrada. As simulações de financiamento foram feitas no site da Caixa Econômica Federal (www.caixa.gov.br).


Observamos na tabela acima que 80% das famílias que poderiam demandar imóveis hoje, seriam capazes de comprar imóveis de no máximo R$ 250mil. Este nível de preços não representa nem 7% dos valores ofertados no ZAP. Além disso, apenas as famílias que tem renda conjunta acima de 15 salários mínimos (12% do total de famílias) tem capacidade de comprar imóvel acima de R$ 432mil. Já nas ofertas do ZAP, estes imóveis acima de R$ 400mil representam 80% dos imóveis ofertados.

Plotando os dados inferidos de oferta e demanda por imóveis no Rio de Janeiro temos o seguinte gráfico:


A primeira conclusão que podemos tirar a partir dos dados acima é de que há um descasamento muito grande entre o valor ofertado de imóveis e a real capacidade de pagamento das famílias. Não surpreende o fato da mediana de anuncios se situar na faixa entre R$ 400mil a R$ 600mil. De fato, este deve ser o valor onde mais saem negócios no mercado. Já o fato de metade dos imóveis anunciados estarem em faixa acima de R$ 800mil nos indica que nesta faixa muito pouco negócio é fechado e o acumulo de estoques de imóveis nesta faixa tende a ser crescente, o que não é sustentável.
                
Um outro fenômeno que podemos observar através dos dados é que se utilizarmos o próprio valor do imóvel como um parâmetro de qualidade do mesmo chegaremos a seguinte conclusão:
                
Hoje os 20% com maior renda no Rio de Janeiro, quando adquirem um imóvel eles compram um imóvel que está entre os 50% piores imóveis da cidade. Observem que os 20% melhores imóveis da cidade equivalem segundo a pesquisa no ZAP a imóveis acima de R$ 2milhões. Isto implica que seria necessário um domicilio com renda de R$45mil para compra destes imóveis. Menos de 1% dos domicílios tem esta renda, o que se faz com os outros 19% que sobram? 

Fonte: PNAD e ZAP Imóveis                

Os cariocas que estão entre os 10% com maior renda, bom acesso a crédito e compram imóvel acabam adquirindo imóveis que estão longe de ser os 10% melhores imóveis da cidade. Na cidade do Rio de Janeiro hoje, a maioria das pessoas não tem renda que possibilitassem a compra das moradias em que vivem, há uma distorção imensa no Mercado. Entendo que este fenômeno se dá em outras cidades do Brasil, talvez um pouco exacerbado no Rio de Janeiro por conta de sua geografia peculiar.
                
A partir dos dados é possível inferir portanto o quão sobrevalorizado está o Mercado? De quanto é esta exuberância irracional do Mercado imobiliário do Rio de Janeiro? A resposta não é simples. Não é possível inferir o quanto os preços podem cair, mas pelo tamanho da distorção, não parece ser pouco. Um ativo de risco que sobe mais de 300% em 5 anos e não é acompanhado pelo crescimento da renda, pode facilmente recuar 20%, 30% ou 50%.  Para que os preços caiam, basta a reversão do fluxo. Um Mercado irracionalmente exuberante pode permanecer um bom tempo com este nível de preços, para que isso ocorra só é necessário que se reduza o volume de vendas continuamente, mês após mês, ano após ano. Observe que dado o fenômeno acima nada impede que o indivíduo com maior renda da cidade, compre por um preço que ninguém consegue pagar, um imóvel que não estará nem entre os 10% melhores da cidade.
                
O ajuste só virá no momento em que algo desencadear um volume maior de vendas. E isso só vai ocorrer quando acabar o mito de valorização eterna (pode se dar por quebra de uma construtora importante, ou mesmo por uma estabilização dos preços por um determinado período) e/ou as pessoas perderem suas fontes primárias de renda e precisarem vender ativos (aumento do desemprego).
                
O grande problema desta exuberância irracional é que os dois fatores acima estão mais próximos de nossa economia do que imaginávamos tempos atrás… E aí, se o Rio de Janeiro virou Mônaco, por onde andam as Ferraris e Maseratis?

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