Estima-se que aproximadamente 92% das construtoras brasileiras tenham pedido falência ou recuperação judicial. Outras, tentando apagar o resquício do passado, trocaram de nome numa última tentativa de sobreviver ao tsunami do distrato. Milhares de engenheiros, arquitetos, administradores e funcionários de campo, perderam seus empregos para a maior crise que a construção civil já vivenciou
Inquestionavelmente, podemos afirmar, com expertise para tal, que a
“década de ouro” do mercado imobiliário brasileiro (2005-2015), foi movida pela
falta de experiência e amadorismo empresarial. A percepção dos espectadores que
souberam apenas de certos acontecimentos do período está muito longe do que foi
a realidade do setor. Nos últimos 15 anos, o jogo financeiro e econômico
travado no mercado, criou situações amargas e decisões impensadas. Sem dúvida,
qualquer mercado do País possui suas particularidades e histórias, mas o que
aconteceu no setor imobiliário ultrapassa a compreensão de muitas pessoas.
O Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o começo de tudo
O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi criado em meados da década de
60, pela Lei nº 4.380, de 1964, no âmbito de uma reformulação geral do Sistema
Financeiro Nacional. A primeira fase do SFH, que vai de sua criação até a
segunda metade dos anos 70, foi o primeiro período áureo do Sistema. Os
depósitos em caderneta de poupança cresceram, chegando a ocupar o primeiro
lugar entre os haveres financeiros não monetários. Os recursos do FGTS também
expandiram como resultado do aumento do nível de emprego e da massa salarial do
país. Em seguida, surgiram as Sociedades de Crédito Imobiliário e as
Associações de Poupança e Empréstimo, formando o Sistema Brasileiro de Poupança
e Empréstimo – SBPE, integrado por instituições financeiras especializadas na
concessão de financiamentos habitacionais, tendo como fontes de recursos os
depósitos em caderneta de poupança e repasses dos recursos do FGTS.
O SBPE tornou-se um dos motores do SFH na década de 2000. Aproximadamente
75% dos financiamentos do País são movidos por recursos da caderneta.
Exemplificando a importância do Sistema, de janeiro de 2005 a julho de 2016, a
poupança já financiou 4.244.205 imóveis em todo o País, sendo a construção de
1.612.483, e a aquisição de 2.631.722.
Unidades em construção
Na mesma linha de financiamento, o interessado pode financiar a aquisição
de terreno, bem como a sua construção, ou usar os recursos para construir,
concluir, reformar ou ampliar um imóvel. A carta de crédito SBPE (Sistema
Brasileiro de Poupança e Empréstimo) utiliza recursos da poupança para o
financiamento da construção. Entre janeiro de 2005 e julho de 2018, o SBPE
financiou a construção de 1.612.483 unidades no País.
Aquisição de unidades
Um dos principais motivos da atração pelos financiamentos através dos
recursos da caderneta de poupança, foram o seu estímulo consumidor que fixava
uma taxa de juros máxima de 12% ao ano nos contratos regidos pelo SFH, bem como
uma política macroeconômica de incentivo de redução da taxa SELIC da última
década, o que aumentou significativamente os depósitos na poupança devido a sua
rentabilidade diferenciada. De janeiro de 2005 a julho de 2018, o SBPE
financiou a aquisição de 2.631.722 unidades no País.
O pouso forçado do setor imobiliário
Desde janeiro de 2015, o agonizante setor imobiliário brasileiro luta pela
sua sobrevivência. Após a manutenção de um mercado forte e robusto por quase uma década, o
sistema foi obrigado a enfrentar diversos contratempos que levaram o mercado
imobiliário à lona.
Em julho de 2018, o mercado imobiliário brasileiro se equiparou a dados de
2007. Comprovadamente, através dos dados fornecidos pela ABECIP e compilações
realizadas pelo Resumo Imobiliário (vide gráficos incluídos nesta matéria),
podemos concluir que a retração real foi de 11 anos: a maior crise da história
do mercado imobiliário brasileiro.
Atualmente, o setor trabalha com números de 2007 tanto para unidades
construídas, quanto às adquiridas através de recursos da poupança (SBPE). No
início de 2015, o mercado caiu em depressão ainda não restabelecida. Diversos
fatores levaram ao desaquecimento, entre eles podemos citar:
A bolha dos distratos
O começo disso tudo foi a sede insaciável de ganhar, ganhar de novo e
voltar ganhar. Nosso mercado foi construído nas fundações amadoras de vendas na
planta, que, aliás, são deveras ousadas e imponderadas. Analisando o negócio
imobiliário, a venda de imóveis na planta é uma realização puramente
brasileira. Outros mercados podem até oferecer tal modalidade, porém em número
muito restrito.
No mundo, é comum o incorporador obter o financiamento de todo o dinheiro
necessário para se construir um empreendimento, e somente após sua conclusão,
efetuar a venda de suas unidades autônomas. No Brasil, os bancos realizam a
análise do empreendimento através da quantidade de unidades vendidas,
capacidade de pagamento da incorporadora e da viabilidade do próprio
investimento.
Em suma, a operação perfeita de uma incorporação seria o repasse de todos
os clientes que optaram em financiar o saldo devedor às instituições
financeiras, e em contrapartida, a incorporadora receberia o valor a vista dos
bancos abrindo caminho para novos negócios e/ou quitação de dívidas, e assim
por diante.
Na prática, o mercado brasileiro cresceu em torno do modelo de venda na
planta, sem sequer cogitar em regras que o protegeriam em caso de pânico
generalizado; afinal nada poderia dar errado…
Com o advento da crise, aumento do desemprego e a incerteza do cenário
econômico, o setor seguiu para o “crack” do padrão de vendas da última década.
Veio à tona a bolha dos distratos (termo criado pelo site Resumo Imobiliário na
matéria de 28 de abril de 2016).
Todos os compradores que investiram anos atrás, e vinham pagando parte do
valor do imóvel durante a construção, simplesmente desistiram do negócio
imobiliário. A fragilidade era tanta que uma leve gripe tornou-se uma pandemia,
em poucos meses. Milhares de adquirentes que incentivaram o crescimento do setor
livraram-se de seu ônus, deixando-os com os incorporadores.
O problema é que, após a rescisão contratual, o empréstimo tomado junto ao
banco continuava em nome do incorporador. Logo, quando o comprador desistia da
compra antes do repasse ao banco, o incorporador assumia integralmente o valor
que fora absorvido junto à instituição financeira para a construção daquela
unidade. Enquanto o adquirente acionava a clausula de relação de consumo e
demandava 100% do que foi pago até aquele momento, o incorporador ficava
altamente imobilizado, e devedor de quantias milionárias. O resultado foi
devastador. Após uma década de alegrias e negócios mirabolantes, o mercado
imobiliário entrou numa queda sem precedentes. Antes poderoso, o setor
tornou-se carente de si próprio.
Estima-se que aproximadamente 92% das construtoras brasileiras tenham
pedido falência ou recuperação judicial. Outras, tentando apagar o resquício do
passado, trocaram de nome numa última tentativa de sobreviver ao tsunami do
distrato. Milhares de engenheiros,
arquitetos, administradores e funcionários de campo, perderam seus empregos
para a maior crise que a construção civil já vivenciou.
Linhas de financiamento
Há dois anos, o Brasil passou pela maior escassez de crédito de sua
história. A política não sustentável de consumo de crédito levou o Brasil a uma
parada brusca na concessão de financiamentos imobiliários. Seguindo os
preceitos mais primitivos e extrativistas, e sem a menor precaução, consumimos
os recursos da poupança (SFH) e do FGTS (Minha Casa Minha Vida, FGTS
Pró-Cotista e SFH). Nas últimas décadas, o incentivo governamental à formação
de novos meios de financiamento foi desprezível, criando, assim, uma forte
dependência da caderneta e do Fundo de Garantia como garantidores da Pátria. Em
2015/16, chegamos a um ponto tão grave que linhas do SFH sofreram adaptações
antes de um possível colapso da caderneta de poupança, o FGTS Pró-Cotista foi
interrompido em diversas categorias devido a carência de recursos e má
estruturação, e o Minha Casa Minha Vida tornou-se um coadjuvante pobre por
falta de recursos do Tesouro Nacional.
Além da alteração de diversas linhas de financiamento, a escassez também
se mostrou rigorosa nas análises de crédito realizadas por instituições
financeiras. Aqueles que usavam o sistema notaram que ser aprovado junto a um
banco tornou-se uma tarefa árdua. Com menos crédito para emprestar,
extraoficialmente, os bancos realizavam um filtro em suas análises aceitando
somente os clientes que lhes fossem oportuno, ou postergando suas decisões de
aceite ou recusa até que uma das partes (comprador ou vendedor) desistissem do
negócio. Assinar um contrato de financiamento tinha se tornado uma vitória
digna de medalha de ouro.
A “industrialização” da incorporação imobiliária
Após tantos anos no mercado, entendo que as construtoras que abriram
capital na Bolsa de Valores cometeram uma falha que custou a sua sobrevivência.
Obviamente, construção civil não se enquadra ao Fordismo. O nosso sistema de
produção não possui linha de montagem, muito menos fabricação em massa. A
abertura de capital em busca de maior alavancagem (ou seja mais dinheiro),
rotulou a industrialização do mercado imobiliário. Há época, lembro-me ter
criado um lema para qualificar a operação dessas empresas: “Lançar, e muito, é
preciso”. De fato, a valorização das ações de uma companhia está ligada à
quantidade de negócios desenvolvidos por ela, bem como aos bônus que seus
executivos recebiam anualmente. Quanto mais se produzia, mais se valorizava.
Por isso víamos lançamentos diários em todo o Brasil. Não importava mais a
localização, tipologia, ou estudos básicos de mercado, pois o importante era
lançar. Os resultados foram empreendimentos mal estruturados, preços
invendáveis e condições débeis que detonaram as finanças de todas as
construtoras de capital aberto.
A construção imobiliária demanda muita cautela. Não se cresce nesse
mercado ofertando milhares de unidades sem os devidos estudos. O bom empresário
deve saber acelerar seus negócios, bem como desacelerá-lo, para que não haja
uma interrupção brusca em seus planos. Cada empreendimento precisa de uma vida
própria, um carinho pessoal para que seus números sejam saudáveis tanto para a
companhia quanto para o cliente. Estou certo que o novo mercado irá interromper
o ciclo frenético e impaciente de ações em Bolsas de Valores e retornará ao
velho e bom jeito de empreender, isto é, empresas menores e enxutas.
Aprendendo com os erros
O mercado imobiliário brasileiro começa a experimentar uma nova fase.
Acabou um nicho de mercado de dependia de lançamentos semanais e vendas
relâmpago. Retornaram os “velhos investidores”, cujo preceito primordial de
compra é custo benefício. O espetáculo não faz mais uma venda. O cliente não
aceita mais essa situação.
Prepare-se culturalmente para o novo mercado imobiliário. Repense e reveja
seus conceitos. Não existe fórmula milagrosa, basta reconhecer os erros do
passado e adaptar-se às condições atuais.
Dentre todos os fatos históricos, podemos dizer com clareza que o mercado
sempre persistiu, apesar dos inegáveis percalços. Por ora, nos cabe apenas
enterrar os ossos dos velhos tempos, e formatar novos padrões de empreender.
Esqueçamos o que passou, e pensemos em uma fase. É fato que momentos difíceis
sempre foram enfrentados e dificuldades superadas, entretanto a única e salutar
conclusão que tomamos dos acontecimentos passados é que “o mercado imobiliário
não acaba, ele apenas se adapta a cada dia”.
(Portal Resumo Imobiliário - Artigos - Opinião Resumo Imobiliário)
VEJA VÍDEOS SOBRE O ASSUNTO AQUI NO BLOG OU PELO LINK